Biodiversidade e inserção da arquitetura na paisagem: entrevista com João Maria Trindade

No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.

Neste episódio Sara conversa com o arquiteto João Maria Trindade sobre a Estação Biológica do Garducho e a importância na preservação da biodiversidade. Ouça a entrevista completa e leia parte da transcrição da conversa, a seguir:

Sara Nunes - Hoje vamos estar à conversa sobre o projecto da Estação Biológica do Garducho. Localiza-se junto à fronteira com Espanha, no local onde existia um posto de controlo fiscal, composto por três edifícios. Gostava que nos fizesse viajar no tempo, nos dissesse como encontrou o lugar e quais os principais desafios perante o programa que tinham em mãos na altura. 

João Maria Trindade - É uma viagem um bocadinho longa porque o edifício foi desenhado há cerca de 20 anos. Foi logo o primeiro edifício público que desenhámos. Na época, tratava-se de uma encomenda de uma associação ambientalista, que tinha sede em Évora – o CEAI - Centro de Estudos da Avifauna Ibérica –, que entretanto já cessou a sua actividade. Na altura, a associação estava a desenvolver estudos sobre a protecção de uma série de aves e precisava de construir um espaço para os biólogos puderem residir naquele sítio. Foi-lhe cedido um antigo posto da Guarda-fiscal, que estava abandonado, em ruína. Lembro-me a primeira vez que fomos lá e não havia sequer estradas de asfalto. Era preciso ir por Espanha, pelo outro lado da fronteira para chegar ao edifício. É um sítio muito remoto e isto começou... O programa que o CEAI implicava a construção de uma série de espaços que não caberiam naquilo que era a área dos edifícios que lá estavam. Aliás, parte deles já estavam em ruínas. Esse foi o primeiro desafio: perceber como é que organizávamos aquele programa com a área... ou de algum modo, encontrar uma forma de concretizar aquilo num território que é muito difícil porque é uma área de paisagem protegida. Tem todo o tipo de classificações, como é o caso da ZPE e da Rede Natura 2000.

SN - Por isso mesmo a construção era limitada. Tinha várias regras.

JMT - Sim, era muito limitada. Nós não podíamos aumentar a área de construção. Não podíamos afectar mais o solo. Tivemos inúmeras reuniões com as entidades como a CCDR Alentejo que superintendem aquele território. A razão de ser do desenho daquele edifício... o facto de ele estar levantado do solo é uma resposta muito objectiva e racional a estes constrangimentos do programa. No fundo, o que fizemos foi organizar o programa que nos era pedido, que implicava uma série de espaços exteriores para as acções de educação ambiental com crianças, escolas.

Biodiversidade e inserção da arquitetura na paisagem: entrevista com João Maria Trindade - Imagem 2 de 11
© André Carvalho / José Manuel Silva

O que fizemos foi: elevar o edifício, apoiá-lo nuns pontos, que eram os sítios onde já existiam as construções anteriores, reduzir, inclusivamente, a área de afectação ao nível do solo, mas estando sobrelevado poderíamos construir um pouco mais de espaço, reduzindo, ainda assim, a pegada do edifício no solo. Foi um diálogo muito longo e muito interessante com as entidades porque, à medida que íamos apresentando as soluções, parecia que estávamos a tentar enganar alguém, mas, na realidade, aquilo que lá está cumpre todos os requisitos legais... depois de ser bem compreendido foi completamente aceite pelas várias entidades. 

SN - Sinto que este edifício tem uma enorme admiração pela paisagem. Esta questão de se levantar do solo está relacionada também com a legislação vigente, mas ao mesmo tempo parece que este mesmo levantar do solo faz com que o edifício emoldure a paisagem. Paralelamente, referiu que se levanta do solo quase como se fosse um pássaro que quer flutuar na paisagem alentejana. Existe muito esta relação muito grande com a paisagem. Pode-nos falar um pouco desta relação do edifício com a paisagem? 

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© André Carvalho / José Manuel Silva

JMT - Claro que sim. Ele, de facto, constrói essa relação muito interessante com a paisagem porque, como está levantado e tem uma série de alpendres por baixo, enquadra umas vistas sobre a paisagem muito horizontais, que acertam completamente com aquela paisagem do Alentejo, mas isso é muito mais um resultado deste trabalho muito racional que foi dar resposta a um programa naqueles constrangimentos. Portanto, isso é muito mais um resultado do que um objectivo à partida, mas, sim, há uma série de questões neste edifício. Nós agora estamos a voltar a trabalhar nele porque está a ser readaptado para uma habitação. A associação ambientalista – o CEAI – já cessou a sua actividade e o edifício, que tinha sido financiado por fundos públicos, foi posto à venda e foi comprado por um casal de jovens, designers de Lisboa, muito corajoso, que decidiu transformá-lo... pediu-nos para o transformarmos numa habitação. Agora estamos a voltar ao edifício várias vezes e ele tem uma série de questões um pouco ambíguas. O edifício define um recinto, como é muito próprio da arquitectura tradicional, na bacia do Mediterrâneo. Existe esta ideia do pátio, uma coisa voltada em torno de um pátio, mas, por outro lado, como a estrutura está sobrelevada, esse pátio não é um pátio de clausura completo.

SN - Sim. Não tem limites na realidade. 

JMT - Não tem limites. Portanto há uma grande ambiguidade no facto do edifício estar montado daquela forma. 

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© André Carvalho / José Manuel Silva

SN - Ainda sobre os limites que estava a falar, eu tenho uma curiosidade porque uma das imagens que me marca sobre este projecto é uma fotografia em que existem dois cavalos, que se situam neste pátio central. A minha curiosidade tem a ver com o facto de saber se eles foram colocados ou simplesmente foram cavalos que passaram ali e se aproximaram do edifício como se o edifício fosse também ele natural, como se fossem dois cavalos a aproximarem-se de uma árvore. Não sei se isto corresponde à realidade ou se foi fantasia da minha cabeça.

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© André Carvalho / José Manuel Silva

JMT - Não foi cenografia. Essa fotografia foi tirada por uma arquitecta que trabalhava no atelier e que trabalhou nesse projecto, que é a Chiara Ternullo. Numa visita que fez lá, o edifício foi logo um grande sucesso junto dos animais – o que sendo uma estação biológica era a melhor forma de elogio que poderíamos ter tido.

SN - Sim! 

Ouça a entrevista completa aqui. Reveja, também, as entrevistas já publicadas do podcast No País dos Arquitectos:

Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.

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Sobre este autor
Cita: Romullo Baratto. "Biodiversidade e inserção da arquitetura na paisagem: entrevista com João Maria Trindade" 19 Mar 2022. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/978572/biodiversidade-e-insercao-da-arquitetura-na-paisagem-entrevista-com-joao-maria-trindade> ISSN 0719-8906

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